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Déficit Zero em 2024: Meta Ambiciosa ou Sonho Fiscal Distante?

Na busca pelo equilíbrio das contas públicas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva fez um movimento audacioso: enviou ao Congresso Nacional uma proposta de orçamento para 2024 que almeja o “déficit zero”. Tal proposta significa que o governo planeja gastar apenas o que arrecada, eliminando qualquer resultado negativo nas contas públicas para aquele ano. A meta tem gerado reações variadas, indo do otimismo cauteloso ao ceticismo absoluto. Além de ser uma resposta à crise econômica exacerbada por circunstâncias recentes, o anúncio tem implicações profundas na estrutura fiscal do Brasil, afetando desde o investidor internacional até o cidadão comum.

A audácia dessa meta é sublinhada pelo fato de que o governo precisará aumentar suas receitas em uma cifra estimada em R$ 168 bilhões para equilibrar o orçamento. Isso requer não apenas vontade política, mas também habilidades extraordinárias de negociação para convencer o Legislativo a aprovar uma série de medidas impopulares e complexas. Além disso, o plano também demandará uma administração eficaz para garantir que as mudanças se traduzam em resultados reais e duradouros.

Neste artigo, vamos desbravar a proposta orçamentária em seus detalhes, as medidas planejadas para aumentar a arrecadação, a opinião de especialistas e os desafios que se apresentam no horizonte fiscal do país. Analisaremos se a meta de “déficit zero” é uma visão realista de uma gestão fiscal responsável ou se é mais uma promessa político-eleitoral destinada a não sair do papel.

O Contexto Fiscal e as Medidas Propostas

A Necessidade de Equilíbrio Fiscal

O Brasil tem enfrentado desafios fiscais significativos, especialmente nos últimos anos. A pandemia da COVID-19, a volatilidade dos mercados globais e os problemas estruturais internos contribuíram para o agravamento da situação fiscal do país. Em resposta, o governo Lula definiu uma meta audaciosa: atingir o “déficit zero” até 2024, ou seja, equilibrar completamente as contas públicas. Mas alcançar essa meta não será tarefa simples, pois para isso o governo precisa aumentar suas receitas em aproximadamente R$ 168 bilhões.

Medidas para Aumentar a Arrecadação

Para alcançar o tão desejado equilíbrio fiscal, o governo propôs uma série de medidas destinadas a aumentar a arrecadação:

  1. Volta do voto de qualidade no Carf: O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é um órgão colegiado responsável por julgar recursos de empresas multadas pela Receita Federal. A expectativa é que essa medida possa arrecadar R$ 54,7 bilhões.
  2. Transações da Receita Federal e PGFN com Contribuintes: Realização de acordos fiscais com contribuintes que possuem débitos, o que poderia arrecadar R$ 43,3 bilhões.
  3. Incentivos fiscais de ICMS na base de cálculo de impostos federais: O objetivo é incluir os incentivos fiscais de ICMS na base de cálculo de impostos como o IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), com expectativa de arrecadar R$ 35,3 bilhões.
  4. Fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio: Essa medida poderia render ao erário R$ 10,5 bilhões. A dedutibilidade é uma forma de distribuição de lucros para empresas de capital aberto.
  5. Tributação de “offshores”: Ativos financeiros no exterior seriam tributados, adicionando R$ 7 bilhões à receita do governo.
  6. Taxação de fundos exclusivos: Estes são fundos de investimento fechados, geralmente compostos por um único cotista de alta renda. A expectativa é que essa medida arrecade R$ 13,3 bilhões.
  7. Taxação do mercado de apostas eletrônicas em jogos esportivos: Essa medida menos significativa, mas ainda relevante, poderia acrescentar R$ 700 milhões à receita federal.

O Desafio do Consenso Político

O mais difícil será obter o apoio político necessário para passar essas medidas no Congresso. Especialistas alertam para um “viés de otimismo” na proposta, especialmente porque muitas dessas medidas podem enfrentar resistência tanto na Câmara quanto no Senado. Adicionalmente, algumas despesas, como os benefícios previdenciários, podem ter sido subestimadas, o que colocaria mais pressão para o aumento das receitas.

O governo, reconhecendo esses desafios, reafirmou seu compromisso em obter o melhor resultado possível, mas sem ignorar as dificuldades inerentes à situação. O contexto fiscal do Brasil, portanto, é um terreno complexo e cheio de obstáculos, onde cada medida proposta carrega seu próprio conjunto de desafios e implicações.

A Opinião dos Especialistas

A Cautela de Vilma Pinto

Vilma Pinto diretora da Instituicao Fiscal Independente – Fonte da Imagem Linkedin

Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente, um órgão não partidário que fornece análises e aconselhamento sobre questões fiscais, expressa sérias dúvidas sobre a estratégia do governo.

Segundo ela, o fato de muitas das medidas propostas ainda estarem em tramitação no Congresso adiciona uma camada de incerteza ao já desafiador cenário fiscal.

Ela destaca que as políticas públicas não operam em um vácuo; elas estão sujeitas às complexidades e volatilidades do processo político. Isso significa que mesmo se tecnicamente viáveis, as propostas podem falhar no campo político, fazendo com que as metas de arrecadação não sejam atingidas e frustrando a expectativa de equilíbrio fiscal.

Marcos Mendes e a Questão das Despesas Subestimadas

Marcos Mendes pesquisador associado do Insper

Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, vai além da discussão sobre receitas e coloca em questão as projeções de despesas do governo.

Ele sugere que há um “viés de otimismo” não apenas na estimativa de quanto o governo espera arrecadar com as novas medidas, mas também em quão pouco ele espera gastar.

Mendes aponta para os benefícios previdenciários como um exemplo crítico. O governo projetou cerca de R$ 914 bilhões para despesas previdenciárias, mas Mendes argumenta que esse número pode ser insuficiente, especialmente quando considerados os reajustes do salário mínimo e os benefícios que estão na fila de espera para aprovação.

O Cenário Complexo

Ambos os especialistas, portanto, trazem à tona a complexidade e os desafios associados à meta de “déficit zero” do governo. Enquanto o objetivo é louvável e demonstra um compromisso com a disciplina fiscal, as incertezas políticas e as potenciais falhas nas projeções de receitas e despesas tornam a meta uma montanha ainda mais difícil de escalar. Pode não ser apenas uma questão de vontade política ou planejamento cuidadoso; as variáveis são muitas e frequentemente fora do controle direto do governo.

Nesse contexto, o risco de depender de medidas ainda não aprovadas e de potencialmente subestimar despesas críticas poderia não apenas comprometer a meta de equilíbrio fiscal, mas também afetar a credibilidade do governo na gestão das finanças públicas.

O Que Podemos Esperar Para os Próximos Meses

A proposta do governo de alcançar um “déficit zero” nas contas públicas até 2024 é, sem dúvida, um objetivo ambicioso que sinaliza um compromisso sério com a disciplina fiscal. No entanto, como apontam os especialistas, as incertezas que rondam esta meta são muitas e multifacetadas, variando desde o processo político até projeções otimistas de receitas e despesas.

O caminho para o equilíbrio fiscal não é apenas um exercício técnico, mas também um desafio político e social. A dependência de medidas ainda em tramitação no Congresso, como destacado por Vilma Pinto, adiciona um grau de risco considerável ao plano. Ao mesmo tempo, a possível subestimação das despesas, especialmente as previdenciárias, como apontado por Marcos Mendes, poderia criar um déficit não planejado que desviaria o país de suas metas fiscais.

Dessa forma, enquanto a intenção do governo é aplaudível, a execução e a realização dessa meta exigirão não apenas habilidades de gestão fiscal, mas também uma dose considerável de realismo, prudência e, acima de tudo, flexibilidade para adaptar-se a um ambiente de rápidas mudanças e incertezas.

Se o governo conseguir superar esses desafios formidáveis, ele não só alcançará seu objetivo fiscal, como também estabelecerá um precedente importante para a governança fiscal responsável no Brasil. Caso contrário, a falha em cumprir essa meta auto-imposta pode resultar em consequências negativas não apenas para a economia, mas também para a confiança do público na capacidade do governo de gerir as finanças do país de forma eficaz.

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