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TEXTOS DA SEMANA

TURISTA ACIDENTAL

às 13:30

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Deixou a vida para trás e resolveu viajar. Só carrega uma mochila com uma Bíblia – cansada de guerra – um terço mariano e algumas mudas de roupas velhas, surradas e macias. Viver de cidade em cidade, onde permanece por poucas horas ou poucos dias. Depende do tratamento dado pelos citadinos. Resolveu gastar os dias e a vida montado nos ponteiros do relógio, andando. Deixou para trás todo arcabouço social. Hoje, vive e anda sem lenço e sem documento. Não foi abarcado pelos últimos censos do IBGE. Na realidade, não existe, pois não faz parte de nenhuma estatística. Não paga aluguel, porque dorme pelas estradas e nas praças, em noite de lua cheia. Não paga lavadeira, pois lava suas poucas peças nos córregos, que ficam à beira da estrada. Ao longo da estrada, numa sombra qualquer, fria e frondosa, para para fazer suas orações e degustar o Novo Testamento, que já leu e releu por várias e várias vezes. Não recebe salário no final do mês, mas, também, não tem contas de energia e nem de água para pagar. Por ser um andarilho não possui transporte e não paga IPVA. Como dorme ao brilho das estrelas, também, não paga IPTU. Sempre para nos postos de gasolina para ajudar aos caminhoneiros a lavarem seus caminhões e sempre ganha algum trocado. Às vezes, sai até um rango. Aproveita para lavar alguma roupa, para fazer a barba, para banhar e, às vezes, ficar para dormir e passar dois ou três para ganhar mais alguma pataca que possa sustentá-lo até o próximo posto, que pode ser perto ou longe. Quando os caminhoneiros lhe oferecem carona, nunca aceita, porque gosta da solidão das estradas. Às vezes, também ganha algum sabão, algum sabonete, algum creme dental, algum desodorante usado, algum resto de perfume, algum boné e algumas peças de roupa. Por ter uma boa conversa, um bom papo, sempre conquista a atenção das pessoas. Principalmente das crianças. Sempre fala de compreensão, de caridade, de bondade, de fé, de amor e de Cristo. Vive feito passarinho, por isso é inimigo ferrenho das gaiolas. Sejam elas físicas, de buriti e de talo de coco, ou sociais etiquetas absurdas e regras hipócritas. Deus disse: “Eu sou o que sou”, porque não usa máscara. Ele não é uma persona. Por isso, Ele não existe, mas Ele é.

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